sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Do ser e do Estado

O Estado é algo que não existe. Materialmente, não existe. O que temos é a abstração de Estado, a idéia, o conceito. O Estado na verdade, existe naqueles que o personificam. Governadores, prefeitos, vereadores, presidentes, reis, imperadores, policiais, eleitores... São pessoas como todas as outras, mas até que ponto vai a sua humanidade a despeito de envergar o aparato estatal? Um policial deixa de ser um opressor no momento em que tira sua farda? E quantos “cidadãos-policiais” sem farda existem por aí?

Para se envergar o espírito do Estado, é preciso uma série de requisitos. Hipocrisia é um deles. É só ver os discursos pré-eleições e pós-eleições dos candidatos eleitos. Aqui, não me refiro nem mesmo às famosas “promessas”, mas sim ao discurso num geral, refiro-me às propostas, às críticas mordazes à atitudes dos adversários que depois são imitadas, entre muitas outras coisas que observamos.

Meu objetivo aqui é mostrar esse lado da máquina estatal, e relacioná-la com um episódio da condenação de Jesus, onde o Estado Romano mostra suas boas intenções.

Segundo Jacques Ellul, a maior arma de Roma, era o Direito. Conforme o autor: “Ensinei direito romano por vinte anos e descobri todos os nuances e toda a habilidade dos juristas cujo único objetivo era dizer o que era correto. Eles definiram a lei como a arte do bem e do equitativo, e posso assegurar que em centenas de casos concretos foram tomadas decisões que demonstraram que de fato estava sendo feita justiça.” (ELLUL, Jacques. Anarquia e Cristianismo).

Após o julgamento de Cristo, e as tentativas de Pilatos de libertar Jesus no lugar de Barrabás, diante da recusa do povo, vemos em Mateus 27:24 que o governador romano realiza o famoso gesto de “lavar as mãos”, que significava se ausentar de responsabilidade no caso, e proferir as seguintes palavras: “Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso.” Prestem atenção à primeira frase, “sangue deste justo”. Pilatos sabia que Cristo era inocente, o chamou de justo perante a população. Daí em diante, qual deveria ser a participação do estado romano no restante do processo?

Ellul nos lembra que Pilatos obedecia diretamente ao Princeps romano, ou seja, somente ao César. Em suma, ele era a autoridade política máxima da região, e da vontade dele dependia o funcionamento da máquina estatal da localidade. Sendo assim, para comprovar a justiça tão admirada até hoje do estado romano, após lavar as mãos e chamar Cristo de justo, ele deveria SE retirar e retirar também qualquer participação do Estado, seja qual forma fosse. Não foi o que aconteceu, conforme veremos mais adiante.

Até onde vai a separação ser humano/representante do Estado? Essa pergunta já feita nos parágrafos anteriores, suscita bem a questão do comportamento de Pilatos. Logo após se isentar de qualquer responsabilidade e declarar o julgado como justo no versículo 24, temos nos versículos 26 a 31 a prova de que a figura do Estado (ou de Pilatos?) não se ausentou como deveria: “Então soltou-lhes Barrabás, e, tendo mandado açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado. E logo os soldados do presidente [Pilatos], conduzindo Jesus à audiência, reuniram junto dele toda a coorte. E, despindo-o, o cobriram com uma capa de escarlate. E, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça, e em sua mão direita uma cana; e, ajoelhando diante dele, o escarneciam, dizendo: Salve, Rei dos judeus. E, cuspindo nele, tiraram-lhe a cana, e batiam-lhe com ela na cabeça. E, depois de o haverem escarnecido, tiraram-lhe a capa, vestiram-lhe as suas vestes e o levaram para ser crucificado.”

Oras! Logo em seguida de ter se isentado, Pilatos manda açoitar a Cristo; e os soldados romanos conduzem Jesus para a crucificação, depois de o terem espancado e humilhado. É compreensível (porém não digna de justificativa) a postura do governador romano ao “lavar as mãos”. Pilatos não desejava se envolver com algo que não concordava, mas deixou o estado o qual ele era o representante se envolver. Até que ponto ocorre a separação? Até que ponto pessoas podem ter ações “justificadas” pelo cargo que ocupam?

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