terça-feira, 26 de abril de 2011

Oração e Resistência

Dia desses, recebi um email da newsletter (ou seja lá qual for o nome) da Bacia das Almas. No tal email, vinha a carta de uma teóloga italiana chamada Adriana Zarri (1919-2010), onde ela explicava aos seus amigos a sua decisão de adotar a vida de eremita. Mas não é isso que quero abordar aqui. Na carta, Adriana fala acerca do caráter funções da oração, a oração enquanto resistência.


Adriana começa falando que a oração pode, num primeiro momento, parecer algo alienante, que “nos afasta da vida do mundo”. Porém para ela, “a oração se nutre de solidão, não de isolamento, e o silêncio contemplativo é denso de palavras e de presenças”.


O mundo que nos cerca hoje, segundo a teóloga, é um mundo essencialmente utilitarista. Entretanto, não vemos essa análise somente nas palavras dela. Isso também parte de diversos teóricos, como Jaques Ellul e sua análise da técnica, Erich Fromm e seus trabalhos do “ser X ter”, além de muitos outros que criticam o pragmatismo incessante em busca da produção, do lucro, do consumo, ou seja lá como queiram nomear esse pragmatismo predominante na sociedade atual. Segundo Adriana, esse modelo utilitarista é “privado daqueles espaços de fantasia, de poesia e de gratuidade sob os quais se insere precisamente a oração”.


A oração, é um espaço no qual, além do ato de falar com Deus, existe também o ato de falar consigo mesmo, onde aparece um espaço para a autoreflexão. É um momento em que, se a oração for realmente sincera e cheia de significados, pode-se chegar a conclusões próprias acerca de si mesmo, através da conversa com Deus. Conversa que pode e deve fluir livremente, na qual podemos e devemos falar tudo o que pensamos e sentimos, pois só Ele nos conhece de maneira perfeita e completa. Nada do que dissermos (ou do que escondermos) será novidade para Deus. Ele tudo sabe, e apenas quer que admitamos para nós mesmo, para que nos reconheçamos enquanto pecadores e falhos, mas isso enquanto um ato de amor, nunca de menosprezo ou humilhação.


Mas além disso, seguindo a lógica da Zarri, a oração também é um momento de resistência, de “entrar” no deserto, e cair em uma “contestação contemplativa”. Orar é aquietar-se, aprofundar-se, e conhecer mais a si próprio, conjuntamente com Deus.


Para quem quiser ler na íntegra a carta a qual me refiro, pode clicar aqui.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Provisão!

Mais um texto daqueles escritos para o tempo de Advento. Um pouco atrasado, mas sempre válido:


Seis dias trabalharás, mas ao sétimo dia descansarás: na aradura e na sega descansarás. (Êxodo 34.21)


PROVISÃO!


Essa música impactante que acabamos de ouvir, se chama “Carmina Burana”, e fala sobre a sorte e a fortuna. Durante muitos anos, ela foi considerada como uma música profana pela Igreja Católica. A letra dela, fala sobre a roda da sorte, de como o ser humano está algumas vezes por cima, outras horas na desgraça, e tudo por conta da busca ao dinheiro, à fortuna. Estudiosos presumem que a música seja do século 13, e ela já mostra a incessante preocupação humana atrás de riquezas.

O filósofo e economista alemão Karl Marx, nos idos do século 18, falava que o trabalho enquanto busca pelo dinheiro, aliena o homem de si mesmo. Na seqüência dele, vários outros estudiosos e intelectuais disseram o mesmo. E junto a eles, vários estudiosos do cristianismo, tanto teólogos quanto leigos, afirmaram algo parecido.

Entretanto, nenhum deles disse novidade alguma! Jesus Cristo já falava no Evangelho de Lucas 16:13, “Nenhum servo pode servir dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom”.

Oras, o que é então a tal da alienação? E o que ela tem a ver com a palavra dita por Cristo?

Alienação, segundo o dicionário significa “o ato de tornar-se alheio”. E quando os teólogos dizem que o homem se aliena da sua humanidade, eles querem dizer que o ser humano torna-se alheio de si mesmo e do próximo, e através disso, aliena-se também de Deus. E Jesus, ao falar que não se pode servir a dois senhores, quer dizer que se servirmos a outro senhor que não seja Deus, estamos nos submetendo a qualquer outra coisa que não a verdadeira liberdade, estamos tendo uma vida idólatra. Viver em Cristo é a única maneira de vivermos a nossa humanidade ao máximo, com todo o seu potencial. Através dEle e da libertação proporcionada na Cruz é que podemos nos considerar seres humanos plenos.

E Jesus, conhecedor absoluto da alma humana, refere-se diretamente a Mamom, que é uma forma hebraica de dizer “riquezas”. No versículo 14 do mesmo capítulo do Evangelho de Lucas, nos é contado que os fariseus eram avarentos, e o Filho de Deus sabia exatamente onde estava tocando no coração de cada um. Ele sabia que o dinheiro, que o acúmulo, a ganância, pode tornar-se uma obsessão na vida da pessoa, levando-a a desprezar e subjugar a liberdade do próximo.

Porém, esse pensamento não é visto pela primeira vez na Bíblia nestas palavras de Jesus, isso já é uma constante na história do povo judeu. Quando este é liberto do Egito e guiado por Moisés no deserto, eles recebem o maná do céu. Ao povo, é dada a ordem de que ajunte para si somente o suficiente para um dia, que não acumulasse para o próximo. Se o maná fosse acumulado, ele amanheceria podre no dia seguinte. Essa regra só não era válida quando era o dia do descanso, instituído por Deus no versículo de hoje.

O povo hebreu era escravo no Egito. Em termos sociológicos, a escravidão apresenta o auge da alienação ao trabalho, pois do fruto do seu próprio esforço, o escravo nada aproveita. Aos hebreus, o dia de descanso era uma ordem, para que se lembrassem dos seus tempos de escravidão, nos quais provavelmente não tinham descanso algum. Além de não deverem trabalhar, não poderiam nem mesmo fazer com que alguém trabalhasse para eles. O dia deveria ser totalmente devotado a Deus, e não dedicado a qualquer tipo de preocupação em ganhar ou acumular riquezas.

Esses fatos refletem em muitos aspectos ainda muito presentes no nosso mundo contemporâneo, e ecoam em vários dos ensinamentos de Cristo. Quando é dito ao povo que não acumule o alimento, pois é certo que ele cairá no dia seguinte, é o mesmo que quando Jesus nos manda olharmos os lírios do campo e os pardais, que são vestidos e alimentados pela graça do Senhor. Deus está conosco, ao nosso lado, e promete nos prover o que precisamos, e não precisamos tentar depender de nós mesmos, de nosso trabalho, de nosso esforço. Foi assim com o povo no deserto, com o povo de Deus, do qual hoje fazemos parte.

Não quero aqui falar da questão do Natal ter se tornado uma data materialista e comercial, esse assunto já está sendo falado e debatido em grande parte das igrejas e afins. O importante é pensar nas prioridades nas nossas vidas. Servir a Deus ou buscar as riquezas? Cristo deixou bem claro que ambas as coisas são impossíveis coexistirem.

Num momento de reflexão como esse, devemos ter em mente as palavras de Jesus no Evangelho de Mateus 6:19-21: “Não ajunteis para vós tesouros sobre a terra, onde traça e ferrugem corroem e onde os ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam; porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração”.

Nesse tempo de advento, além da esperança, é tempo de pensar na provisão que Deus nos dá, não só material mas também espiritual. E, estando certos dessa provisão, podemos nos preocupar com o que realmente deve ser importante para nós: o Reino de Deus. E isso, é promessa, conforme lemos em Mateus 6:33 “Buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas as coisas vos serão acrescentadas”.