sexta-feira, 9 de abril de 2010

As Escrituras e a Homossexualidade

[Em abril] no blog God’s Politics, Brian McLaren escreveu uma postagem intitulada: “Evangélicos devem amar os gays”, no qual ele declara que Jonathon Merritt “deve ser o mais corajoso Batista da América” ao argumentar que os evangélicos devem amar os homossexuais. Mesmo o artigo sendo positivo, ele ainda demonstra os homossexuais como objetos que tem a necessidade de afirmação e aceitação de seus companheiros heterossexuais. Entretanto, homossexuais são “indivíduos”, não diferentes de “heteros”, e ainda não posso acreditar que no século XXI nossas instituições governamentais e religiosas falhem em reconhecer que homossexualidade não é sinônimo de desordem, pecado e antinaturalidade.

Mais poderoso foi um comentário postado em resposta ao blog de alguém que é gay:

“Estamos lidando aqui com identidade... Não posso mudar minha identidade enquanto gay, assim como não posso mudar minha raça ou nacionalidade. Minha identidade não é má, nem um ‘pecado’. Nem existe um lado “certo” ou “errado” nisso. Minha identidade simplesmente é.”
Respondendo a esse comentário, outra pessoa disse:

“Não quero ser rígido ou desprezível, mas acredito que na Bíblia há definitivamente ao menos uma Escritura [passagem] que mostra o comportamento homossexual como desobediência a Deus, ou seja, pecado.”

Essa passagem é Romanos 1:27, na qual diz:

“E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro.”

Essa passagem, entretanto, não condena pessoas homossexuais. Muitos estudiosos bíblicos concordam que Paulo, quando diz “natural”, não refere-se à ordem natural e à lei, ou que tal coisa seja inata. Antes, “natural” conota comportamentos que eram costumeiros a Paulo e seus conhecidos judeus. A homossexualidade não era costumeira na comunidade judia, mas era no contexto greco-romano. Além disso, Paulo apenas conhecia e então apenas podia falar da expressão pagã vulgar de homossexualidade, com suas características pervertidas de estupro, promiscuidade e indecência em público. Ainda, esses comportamentos – que também prevaleciam entre heterossexuais do século I romano – não representam o amor gay no mundo antigo e certamente não oferecem um pano de fundo para a compreensão do amor gay atual.

Citar a Bíblia para apoiar qualquer posição, especialmente anti-homossexualidade, é sempre um negócio arriscado, pois interpretar este documento antigo requer um grau de instrução cultural e histórico somado ao desejo de ler os textos em sua linguagem original. Ainda, todos trazemos nossas diferentes bagagens culturais ao lermos e interpretarmos as escrituras, mas essas bagagens não podem se tornar a única lente pela qual interpretamos a Bíblia. Nem a nossa interpretação pode ser absoluta. Devemos sempre lembrar que indivíduos tem citado a Bíblia com certezas absolutas para justificar a escravidão, o machismo e limpezas étnicas. A Bíblia não pode ser colocada em uma caixa, pois isso tiraria dela qualquer possibilidade de nos falar no futuro.

Mesmo assim, a homossexualidade inegavelmente apresenta um desafio especial ao leitores modernos das Escrituras. O teólogo de Harvard Peter J. Gomes cita no The Good Book: Reading the Bible with Mind and Heart [O Bom Livro: Lendo a Bíblia com Cabeça e Coração] que:

“Quase toda... pessoa que mantém uma aversão ao homossexualismo faz isso baseado no que ele ou ela acredita que a Bíblia diz, e nas suas cabeças não há dúvida alguma sobre o que a Bíblia diz, e o que a Bíblia significa.”

Gomes continua dizendo que não são apenas leitores individuais que contribuem para prejudicar os homossexuais, mas também as instituições religiosas. Ele argumenta que “uma combinação de ignorância e preconceito sob o disfarce de moralidade, faz com que a comunidade religiosa, e seu abuso das escrituras em favor próprio, seja moralmente culpada.”

Como um Católico Romano praticante, sempre achei os ensinamentos da Igreja sobre a homossexualidade problemáticos. Para mim, tais ensinos representam um exemplo de abuso das escrituras. Por exemplo, o Catecismo da Igreja Católica diz:

“Baseando-se na Sagrada Escritura, que apresenta atos homossexuais como atos de grave depravação, a tradição sempre declarou que ‘atos homossexuais são intrinsecamente desordenados’. Eles são contrários à lei natural. Eles tiram o ato sexual do presente da vida.”

A interpretação da Escritura é falha, pois muitos estudiosos concordam que condenações à homossexualidade são inexistentes na Bíblia. Ainda, essa leitura errônea da Escritura pode levar muitos católicos e não católicos a enxergar os homossexuais como indivíduos doentes e pecadores, que não podem curar sua doença a não ser que se reprimam. Esse ensinamento, em outras palavras, oprime seres humanos e consequentemente lhes nega justiça social. Para que a igreja Católica e outras igrejas cristãs continuem advogando justiça social com alguma credibilidade, elas precisam evitar usar as Escrituras para desenvolver um preconceito infundado contra um grupo de indivíduos que não querem nada mais a não ser tratamento igualitário. Vamos clamar pela coragem de libertar a Bíblia e outros de demais abusos?

Cesarb24 – retirado de www.jesusmanifesto.com

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Jesus e Hitler expiaram nossos pecados?



Hitler e Jesus têm mais em comum do que podemos imaginar. Sim, um é entendido como o Mal Encarnado enquanto o outro é freqüentemente afirmado como Deus Encarnado. Enquanto esse aspecto poderia certamente colocá-los em pólos opostos, eles dividem esse pólo: de serem deuses em nossa mitologia ocidental moderna.

É comum (porém errôneo) assumir que não somos mais uma sociedade construtora de mitos. Au contraire! Não estamos apenas constantemente revisando nossos mitos existentes para adaptá-los à nossa cultura mutante (basta apenas ver a pessoa de Cristo nos filmes para ver as grandes mudanças que ocorrem em apenas uma geração), mas estamos também criando novos mitos para dar sentido às grandes lutas da nossa civilização.

O que você faz com o grande e profundo mal que foi o Holocausto? Reconhecemos que não há particularmente nada de deficiente nos genes alemães que os faça predispostos ao mal. Além disso, embora entendamos que enquanto a cultura germânica certamente teve um papel importante ao dar origem aos males da Segunda Guerra Mundial, sabemos que a história cultural da Alemanha não é substancialmente diferente de seus vizinhos ocidentais que demonstre que eles possam ser intrinsecamente mais capazes de um Genocídio do que outras nações. A não ser, é claro, aquela coisa que é a presença de um semi-deus do mal, como foi Adolf Hitler.

O nome que damos ao Mal que levou ao Holocausto e à Guerra é “Hitler”. E ao nomearmos esse mal, Hitler garante seu lugar no panteão da civilização moderna ocidental. Se seres sobrenaturais existem – se temos deuses – Hitler é um deles. Ele pode fazer o papel de deus mal, mas ele é um deus todavia. Para muitos, ele tomou o lugar de Satanás.

Para ilustrar meu argumento (que Hitler é o deus do mal da nossa cultura, ao ponto de usurpar o posto de Satanás), vamos supor que você está em um debate com um amigo sobre a ética vegetariana. Seu amigo, vamos supor, é um vegetariano. Você, porém, é um onívoro. O debate chega ao ponto de seu amigo gritar: “toda vez que você come bacon, você é como Adolf Hitler!”. Isso deixaria você mais chateado (seja sincero) do que se o seu amigo tivesse dito que você é como o demônio?

Se você for como eu, se sentirá ofendido com o primeiro, e poderá até rir com o segundo.
Então, a primeira semelhança entre Jesus e Hitler é essa, que na nossa mitologia moderna, são ambos deuses.

Outro ponto que Hitler e Jesus dividem é que ambos são bodes expiatórios. O status de Jesus como tal tem sido explorado em numerosos escritos – mais notavelmente no trabalho de René Girard. Geralmente, cristãos acreditam que nossos pecados foram transferidos para Jesus (de uma maneira ou outra), então quando Ele é sacrificado, está sendo sacrificado em nosso lugar. Infelizmente, isso se tornou transacional para muitos, levando-os a abraçar uma graça “barata”.

É interessante para mim que o pensador mais conhecido por expor essa tendência cristã tenha feito isso à sombra do nazismo – Dietrich Bonhoeffer. Quão irônico que possamos facilmente ler Bonhoeffer e concordar que não devemos tratar Jesus como um reles bode expiatório apenas para virar para Adolf Hitler para propiciar nossos pecados! Deixem-me explicar.

Como sugeri anteriormente, é comumente aceito que Adolf Hitler é a razão do nazismo na Alemanha, e aí procederam-se os atos de genocídio. Hitler tornou-se a Causa Solitária do mal – quase um ser sobrenatural sinistro. Entretanto, uma visão diferente do surgimento do nazismo é que Hitler estava focando e manifestando o maior zeitgeist* do povo alemão – ou no mínimo um movimento crescente com o povo alemão.

Quando amaldiçoamos Hitler pelo que aconteceu na Segunda Guerra, falhamos em nomear as causas e tendências maiores que trouxeram Hitler ao poder e que permitiram os feitos horríveis do Holocausto. Deste modo, Hitler tornou-se um bode expiatório para os horrores da guerra.
Porém, ele é muito mais do que simplesmente um bode expiatório para os alemães. Ele serve a um propósito maior na civilização ocidental. Invocar o seu nome é invocar o mal, e assumir que ele é significantemente mais mal do que nós. Comparar alguém a Hitler é um tabu. Quando, no curso de uma conversação na internet, a lei de Godwin** tem efeito, a conversa instantaneamente acaba. Em outras palavras, NINGUÉM é tão mal quanto Hitler, e sugerir tal coisa é um dos maiores tabus que temos na nossa cultura.

Então, quando dizemos que a maneira que os EUA trataram seus índios foi como um “Holocausto”, ou que atualmente Israel está cometendo um genocídio contra o povo palestino, etc., a conversação acaba. Não importa quão maligna seja a história de alguém – ou quão cruel seja o comportamento de uma nação – nada poderá nunca rivalizar o indescritível mal que é HITLER. E, graças a Deus, Hitler é uma anomalia que NUNCA poderá acontecer novamente.

Além disso, Hitler é o Jesus Negro que toma os pecados para nossas próprias atrocidades – nossas injustiças modernas, nossos genocídios passados.

E, para todo o mais, Jesus está lá para tomar nossos pecados restantes. Dificilmente importa as particularidades por trás do surgimento do Messias ou do surgimento do Führer – em ambos os casos, o que temos na moderna sociedade ocidental são dois socialmente-construídos mitos úteis, que existem primariamente para reforçar o status quo.

No fim, achamos que não precisamos seguir o caminho de Jesus, nem temos que nomear suficientemente o mal que reside nos nossos corações, na nossa sociedade, nosso mundo. Por conta do puro sacrifício de Jesus, e da nódoa maligna de Hitler, estamos bem da maneira que estamos. Status quo confirmado!


Mark Van Steenwyk – retirado de www.jesusmanifesto.com em 08/04/2010


* Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. O Zeitgeist significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

**A Lei de Godwin conhecida também como A Regra das analogias Nazistas de Godwin (ou ainda em inglês Godwin's law ou Godwin's Rule of Nazi analogies, como é mais conhecida no meio virtual), tem por base uma afirmação feita em 1990 por Mike Godwin, um advogado estadunidense conhecido por formular essa "lei", que diz: “À medida que uma discussão na Usenet cresce, a probabilidade de surgir uma comparação envolvendo Hitler ou nazistas aproxima-se de 1 (100%).”
Há uma tradição em listas de discussões e fóruns que, se tal comparação é feita, é porque quem mencionou Hitler ou os nazistas ficou sem argumentos.
(notas de rodapé retiradas semvergonhamente da Wikipédia pelo tradutor)